Gente
Por Alice Vieira
Aqui pela Ericeira o verão continua.
Estava eu, como sempre, na esplanada da praia do sul, quando um senhor, que eu nunca tinha visto, aproxima-se da minha mesa. Sorri e diz-me “nunca a vi, mas a minha tia gostava muito de si!”
Passei todas as minhas tias pela minha cabeça e não me lembrava de nenhuma, todas já tinham morrido há que anos, e gostarem de mim, enfim, estamos conversados. Também não me lembrava de nenhuma tia das minhas amigas.
Então ele continuou a conversa.
E aqui temos de recuar até Paris em 1968, quando rebentou o Maio de 68. Naquela altura ninguém sabia no que isso ia dar, podia dar uma revolução, e estávamos com medo. E muitos de nós, estrangeiros, decidimos voltar para as nossas terras.
Apanhei o avião para Lisboa, e no banco ao meu lado estava uma senhora que falava francês, mas com um certo sotaque. Era grega, e mulher do embaixador de Portugal em Paris, e voltava para a sua casa de Lisboa. Começámos a conversar e passados alguns segundos estava a contar-lhe a minha vida toda.
“Está alguém à sua espera no aeroporto?” Eu disse que não sabia e então ela disse: “Se estiver, óptimo; se não, vem para minha casa e depois logo se vê”
Mas o meu namorado estava. Ela quis ser-lhe apresentada e disse-lhe: “Trate bem dela!” E depois chamou-me de lado e disse “amanhã de manhã telefone-me”.
Claro que estava tudo bem mas, mesmo assim, ela mandou-me ligar-lhe durante uma semana. Claro que ficámos muito amigas até ela morrer E essa senhora é que era a tia de quem o senhor me falava .
Mas não bastava isso: no resto da manhã ainda me apareceu uma rapariga, que eu nunca tinha visto, filha de um colega do Diário de Notícias; e liga-me uma pintora minha amiga de há muitos anos e de repente fala-me de uma outra pintora muito amiga dela — e que, sem eu saber, era grande amiga de uma pintora com quem eu estou todas as manhãs na praia…
Vim logo para casa, antes que aparecesse mais gente a conhecer toda a gente… e eu ficasse maluca.
Alice Vieira
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia, sendo considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.
Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira